E eu viro rã na água morna
Aquele primeiro dia doeu igual uma martelada. Sabe? Uma dor
daquelas tão fortes, mas tão fortes, que a gente já não difere o que é dor do
que é carne. Uma dor daquelas que faz a gente perder a consciência, já que o
corpo não aguenta mais o próprio peso de ficar alerta. Foi uma dor daquelas
fisgadas que a gente suporta sentir só por um minuto antes de implorar pra
morrer. E como eu implorei.
Mas essa dor assim, que rasgava e consumia, foi gentil
comigo: me fez parar de pensar em qualquer outra coisa que não a dor em si. O
problema foi quando ela diminuiu, dando espaço praquelas incertezas teimosas
que, mesmo forçadamente reprimidas, insistiram em querer vir pra superfície
respirar. Daí, o que era martelada virou queimadura de sol, dorzinha
irritante que parece que só dói mesmo quando a gente encosta na pele – e,
claro, eu, particularmente masoquista, teimo em encostar o tempo todo, só pra
checar se ainda sou capaz de sentir.
Hoje em dia, a dor vem junto com aquela coceira de cicatrização,
mas eu arranco todas as casquinhas que se formam. Não quero cicatrizar porque
não quero correr o risco de esquecer. Essa dor toda, de um jeito ou de outro,
nos manteve unidos desde que nos conhecemos, e eu sei que é o que nos mantém
unidos agora. Ainda. Sempre.
A todo momento, a dor vira saudade, e a saudade vira dor.