Queria cachaça, só tinha vazio

A mais estranha das sensações é quando todas as sensações faltam. De todas as dores, a ausência da dor é a que me irrita mais. Esse vácuo interno, que a vida toda eu tentei preencher, às vezes me acomete de súbito e a única atitude que eu tomo é esperar sentada - de preferência com uma série carregada na outra janela, por gentileza -, porque nunca soube lidar com vazios. 

De todas as ações, as não tomadas me machucam mais. Sempre tive esse negócio com faltas mal explicadas, com linhas puladas, esse incômodo que hoje me faz escrever quase sem pausas porque pausas obrigam silêncio e eu não sei lidar direito com silêncio não. De todas as palavras, as não ditas me perseguem mais. 

Não nasci pra muros. Minha vida é feita de lados muito bem escolhidos, obrigada. Talvez seja por isso que eu goste tanto de derramar meu próprio sangue: vermelho cobre branco e, de todas as cores, o branco me entristece mais. Que o mundo me enxágue de exageros, porque de ofensa suavizada já basta a vida, essa coisa que, se fosse pessoa, seria do pior tipo: passaria creme hidratante na mão antes de disferir o tapa (só pra depois dizer que a intenção era mais amaciar bochechas do que avermelhá-las). 

De todas as imagens, as que eu não vi me assustam mais. Porque tudo que eu não vejo, eu imagino, e mente de gente metida a artista sempre tem tendência ao suicídio. Gente que escreve é a pior gente: fica mendigando uma dorzinha ali, uma aqui, só pra ver se consegue trocá-la por um parágrafo qualquer, na esperança de aliviar uma inquietação que no fim não alivia por nada. 

Eu lamento pelas almas como a minha, almas que não se bastam. Tenho fome o tempo todo de uma comida que na verdade não é de comer. Sempre falta algo, sempre, e o que mais me dói é perceber que é impossível sentir falta do que nunca se teve, e que mesmo assim eu sinto. Mesmo assim. Ainda que. Apesar de.

Ruins são os dias como esse aqui, em que tudo deu certo e eu continuo me sentindo sufocada, com um troço no estômago que me faz querer explodir quando paro por um minuto. Mas explodir traz muita bagunça pra limpar depois, então o barulho caótico fica dentro de mim mesmo, que é mais fácil e organizado. Meus caros, taí uma verdade: pra sofrer constantemente tem que ter método. Felizes são aqueles que têm uma decepção horrenda de vez em quando, que podem fazer o drama que quiserem sem ninguém reclamar porque, poxa vida, o dia foi tenso, né? Difícil mesmo é quando você tem que aprender a largar o drama porque os dias ruins são todos. 

Porque, ah… De todos os dias, os que eu vivo me doem mais. 

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