Pior é quando a gente percebe que ódio virou indiferença

Eu te odiei muito. 

Não estou falando de ontem. Refiro-me a dez anos atrás (com a ênclise feita pra que ninguém venha dizer que perdi meus rebuscamentos gramaticais, porque eles eu faço questão de manter; sim, oh, de perdas já basta você, meu bem), numa das tardes que a gente se encontrou pra você ofender meu cabelo e xingar meus amigos. Refiro-me às vezes que você foi lá em casa só pra falar mal da cor das paredes, aos momentos que você criticou minhas escolhas e tirou sarro das minhas opiniões. Aos dias que você pareceu se esforçar muito pra que eu te odiasse mesmo, e eu te odiei. 

Vivi uma vida inteira odiando cada parte de você. Odiei cada pêlo do seu braço, cada cravo do seu nariz, cada rachadura da sua boca. Odiei cada piada que você contou e cada vez que você me fez rir enquanto eu estava brava. Odiei quando você riu das minhas imaturidades e odiei ainda mais quando percebi que, no fundo, era você quem estava certo. Odiei todas as discussões que a gente teve e também todas que a gente não teve. Odiei os dias ensolarados que você me obrigou a ver o sol, ou então os dias chuvosos que você sorriu só pela graça de me irritar. Nossa, como eu odiei seu sorriso! Odiei seus dentes alinhados, sua covinha embaixo do olho, o jeito que seu lábio ficava repuxado levemente pra esquerda. Odiei seu toque no meu rosto, que me deixava vermelha, e odiei muito o quão engraçado você achava quando eu ficava envergonhada. 


E hoje em dia, depois desses dez anos, meus pequenos ódios da adolescência não me fazem sentir absolutamente nada, nem nostalgia. Acho que isso que eu disse no título é verdade, né?

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