Feto

Hoje a vida não bate mais na porta: já entra dando soco na cara, porque assim eu não tenho como dizer que não estou em casa, não, senhora, hoje não posso atender porque o cachorro morreu e a mãe pegou infecção alimentar. Evito porque não quero encarar a verdade que me deteriora aos poucos: sonhei com uma vida nova e ela virou aborto nas primeiras semanas de gestação. Foi-se o filho, restam as lembranças, agora mais amargas que doces; resta eu, agora mais perdida que achada. Restam os remédios, as explicações, o amor jurado que padece por esclerose múltipla, o pensamento pesado e aquele vazio na memória típico de quem quer dormir por cem semanas inteiras, só pra ver se a dor aplaca um pouquinho. 

E no fim o que eu digo são palavras de adolescente mimada, de gente borbulhando dentro de si mesmo pra não explodir e acabar constrangendo os outros. Palavras de gente que foi feliz. Foi.

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