Uma pena

Como toda história sem fim, essa começa com um fato bastante estranho: ela se apaixona por ele. Estranho porque eles eram duas daquelas pessoas idealistas que procuravam nos braços do amor uma resposta para a mediocridade do mundo, como se sentimentos magicamente se transformassem em ações e fossem capazes de trazer uma solução para os anseios irrequietos de cada um. No entanto, houve uma divergência dolorosa nessa procura: ela encontrou o amor, mas não foi encontrada por ele; ele, por sua vez, sofreu do mal contrário. 

Mesmo assim, eram grandes amigos, daqueles que a vida fez questão de unir por corredores misteriosos. Quando lhe perguntassem o motivo pelo qual ela resolveu calar sua adoração no princípio, ela diria que era porque o conhecia muito bem e sabia que ele não sentia o mesmo, pelo menos não no momento em que o que estou contando se passa. Porém, a verdade é que ela se conhecia muito bem e, nessa condição, sabia que o peso de uma possível rejeição seria insustentável. E, nesse ponto, pauso para fazer uma reflexão: é engraçado como o medo aprisiona os seres humanos, não é? A menina arrastou o sofrimento da incerteza por meses apenas por causa da agonia que seria o não. Ela preferiria nutrir um fiapo desgastado de esperança a suportar a certeza negativa (que, dispensando a necessidade de mistérios narrativos, viria de fato num futuro próximo). Já eu, que sempre observei os dois sem envolvimentos emocionais, nunca entendi as preocupações dela. Hoje percebo que meu otimismo turvava minha visão, mas sempre acreditei que eles formariam um casal respeitável. 

Aqui, vale uma ressalva: eu espero que vocês não estejam criando compaixão pela garota. É tarde demais para ajudá-la, meus caros, e vocês não gostariam de carregar o fardo de salvar uma vida há muito em estado de putrefação. Mas não se preocupem: ela continua com a inércia habitual, dona de uma satisfação superficial toda vez que olha para ele. Torna-se um clichê desgovernado: suas pernas fraquejam, o coração acelera, o fôlego falta. Parecia sintoma de doença, mas era só amor. (E não é a mesma coisa, no fundo?)

Só sei que somente quatro meses se passaram antes que ela se cansasse daquela situação de não-correspondência. Era impossível viver com paranoias no bolso. Cada vez que ele lhe sorria, vinha a ela uma indagação indecifrável: será que havia alguma chance de ele amá-la também? Ela descobriria naquele fatídico, fatídico dia. 

Pensou muito nas palavras certas ao se declarar. No final, foi esforço desnecessário. Ele disse não. 

E hoje ela fica todas as tardes pensando em tudo que mudaria no passado. Inútil, viu? O fato inquestionável é que ele nunca teria gostado dela, nem antes nem cem anos depois. Uma pena. Ainda hoje sou favorável da crença que eles teriam formado um belo casal. 

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