Campinas, 13 de agosto de 2012


Ao moço bonito da casa da frente, 

Moço, não fecha o portão, pedi eu com os olhos enquanto via você me trancando pra fora do seu mercado de afetos. Fiz beicinho de criança mimada, mortificada com sua frieza evidente, claro, porque você bem sabe que ser humano não lida bem com rejeição, por mais acostumado que esteja com ela. E olha que eu tô terminando meu mestrado nesse assunto, viu? Mas não entremos nisso aí que é coisa pra cartas menos felizes (ou mais tristes?); agora eu só quero discutir você sem mim, não eu sem você.  


Não sei o que é pior, moço: você me sorrindo com os lábios dissimulados como se seu desdém me lembrasse que eu não poderia jamais entrar na sua vida, ou eu te sorrindo de volta como se não enxergasse sua esposa e filhos. Agora que você já não vai mais ouvir, posso confessar que, sim, sempre enxerguei, especialmente naquele primeiro dia que fui até sua casa. (Desculpa não seguir uma linha de raciocínio clara, moço, mas gente que veio com defeito é assim mesmo. Você entende, não?) 

Ou talvez não entenda nada. Um dia te explico direito, prometo. Só sei que você abriu a porta com a ingenuidade grega habitual, e eu logo saltei aos seus braços com aquele ímpeto tão nosso, característico de quem já havia esperado tempo demais. Você me refreou, me olhou como se eu fosse louca, mas eu sabia que no fundo aquela hesitação era amor. Me empurrou e gritou que era casado, que tinha família, que nem sabia quem eu era. Mas e as juras?... Que juras?...  

Fui embora um tanto decepcionada, mas logo entendi que você na verdade queria me proteger da reputação de ser uma destruidora de lares. Se o problema era sua família, moço, eu o resolvi por você. Por nós dois.  

Não pense que foi uma decisão fácil jogar aquele palito de fósforo que daria início a um incêndio na sua casa, com sua família inteira lá dentro (chequei se você estava fora, é lógico, não queria cometer um erro), mas eu tomei essa atitude porque sabia que era o que deixaria nossos caminhos livres um para o outro.  

Mas no final não foi, né? Só quando a polícia veio me acusar e prender que percebi que não tinha planejado nosso futuro direito. Pior que eu te vi diversas vezes conversando com eles, mas sei que você teve seus motivos. Por isso que te escrevo hoje, moço, pra dizer que não guardo remorso nenhum e que pretendo te fazer uma visita em breve. Amor bom se sente com fogo mesmo.

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